Parque indígena do Xingu
Marco histórico da luta pelos direitos do índio e próxima de completar os seus 50 anos de existência, a reserva do Xingu, que teve seus limites consolidados após anos de batalha política dos irmãos Villas Bôas, enfrenta hoje problemas e dificuldades para manter-se como berço da cultura indígena e da biodiversidade brasileira.
Com uma área de 2,8 milhões de hectares o Parque Indígena do Xingu foi demarcado em 1961 durante o governo de Jânio Quadros. Essa unidade de conservação foi criada após incessantes esforços dos irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas, além de personalidades como Marechal Rondon, Darcy Ribeiro, Noel Nutels, Café Filho e muitos outros.
Rumo ao Xingu
A aventura começa no Aeroporto Internacional de São Paulo localizado na cidade de Guarulhos. Lá iniciamos uma viagem de 1 hora e 30 minutos até a capital federal do Brasil, que mais parece hoje um canteiro de obras devido às inúmeras intervenções do governo nas largas avenidas de Brasília. Por falar em avenidas, fico impressionado com o transito da cidade construída por JK que hoje se equivale aos congestionamentos de São Paulo.
No caminho do aeroporto de Brasília até a rodoviária intermunicipal conhecida como “rodo-rodoviária”, por antigamente ter sido uma estação de trem, conversamos com o piauiense João que há trinta anos ganha a vida levando inúmeros turistas e políticos para diversos e inusitados pontos de Brasília. No caminho ele nos conta alguns "causos de políticos". Segundo o taxista constantemente os representantes do povo utilizam seus serviços para passear com suas respectivas namoradas pelas noites agitadas da capital federal. Por curiosidade perguntei se esses nobres parlamentares distribuíam grandes gorjetas, mas imediatamente ele responde: “Pelo contrario, na maioria das vezes eles ainda pedem que eu emita nota fiscal com valor superfaturado”. Por incrível que pareça, isso não é novidade em um país onde escândalos envolvendo políticos e atos de corrupção são cada vez mais freqüentes e a conta é sempre paga pelo povo. O que diria Sarney?
Chegando na rodo-rodoviária tomamos um ônibus com destino a cidade de Canarana, localizada na região nordeste do Mato Grosso. São quinze horas de viajem com diversas paradas, passando pelas cidades de Anápolis, Goiânia, Iporá, Aragarça, Vale do Araguaia, Vale dos Garças, Água Boa, Serra Dourada, etc. Inusitado foi ver na porta do banheiro de uma dessa rodoviárias uma foto grande do Padre Fabio de Melo.
Nos acompanha no ônibus um grupo de cerca de vinte índios que visitaram Brasília e agora estão retornando para o Xingu. Sorridentes e alegres eles falam apenas a língua indígena, mas o mais curioso é notar que entre uma frase ou outra as índias falam gírias da novela global, como “arebaba”, “tic”, e outros jargões usados pelos personagens novelísticos indianos. Acredite se quiser!
Finalmente chegando na cidade de Canarana subimos a bordo de um avião monomotor e sobrevoamos a região por 20 minutos até chegar ao nosso destino. Olhando do alto as terras históricas que se estendem entre o planalto central e a região amazônica é fácil perceber o contraste entre a exuberância da natureza e os grandes plantios de soja.
Em busca dos peixesChegando em solo firme e depois de nosso merecido descanso, iniciamos nosso contato com a magnífica região amazônica.
Seguimos acompanhados do advogado e pescador, residente da cidade de Jacareí, Domingos Bomediano. Há 3 anos o experiente pescador, que faz suas próprias varas de pesca, visita o Xingu em busca da paz proporcionada pela pesca esportiva.
Essa atividade movimenta os rios da região já que lá são facilmente encontrados peixes como o cachara, também conhecido como pintado, trairão, matrinchã, bicuda, cachorra e o famoso tucunaré. Segundo Bomediano os Rios Kulueni, Rio Sete de Setembro e Rio Xingu são excelentes opções para essa atividade que vem crescendo e conquistando mais adeptos a cada dia. "A pesca esportiva da a oportunidade para que a pesca continue a existir, e principalmente sem causar grandes danos à natureza", comenta Bomediano.
Não apenas para os pescadores, mas para os amantes da natureza, a região presenteia os visitantes constantemente com surpresas inesquecíveis.
Uma dessas surpresas que pudemos presenciar foi o raro encontro com uma das espécies de aves mais majestosas da região amazônica.
A águia harpia é uma das maiores e mais pesadas aves de rapina do mundo, podendo alcançar uma envergadura de dois metros. Ela se alimenta principalmente de macacos e preguiças.
O rio XinguO rio Xingu nasce no coração do Brasil, norte do Mato Grosso (no Planalto dos Guimarães), e possui mais de 2,7 mil km de extensão. Outros rios importantes se juntam a ele, formando uma bacia hidrográfica com quase duas vezes a área do Estado de São Paulo, até desaguar no Rio Amazonas.
Por causa dos desmatamentos e das queimadas, várias nascentes do rio Xingu já secaram. Sem a vegetação, as chuvas têm provocado o assoreamento em vários cursos de água. Em conseqüência, cresce a perspectiva de uma grave crise hídrica na região. Os fazendeiros têm relatado o aumento da erosão e a redução de fertilidade das terras.
As nascentes do rio, que também ficaram fora das terras indígenas, estão comprometidas pelo assoreamento. Se não fosse pelas terras indígenas que preservam quase 40% da bacia, possivelmente toda essa região já teria sido ocupada.
Quando a floresta é retirada, a chuva lava os solos e carrega os sedimentos para dentro dos rios; a água fica turva e muitos peixes desaparecem. Além disso, no sistema de monocultura a baixa rotatividade exige a aplicação de maiores quantidades de insumos agrícolas para manter a fertilidade do solo. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Agronômico de Campinas mostra que no ano de 1997 cerca de 10 milhões de toneladas de fertilizantes foram utilizados nos 40 milhões de hectares cultivados com grãos no país. Essa grande quantidade de insumos sobre as camadas superficiais do solo, vem causando também à contaminação de águas superficiais.
Usina hidroelétrica de Belo Monte
Hoje a principal liderança xinguana é o cacique Aritama, da tribo Yawalapiti. Ele é o responsável por negociar com o governo as questões que envolvem a reserva. Atualmente o principal impasse entre o governo e os índios xinguanos é a construção da Usina hidroelétrica de Belo Monte. A obra prioritária do Programa de Aceleração do Crescimento que visa geração de energia afetará cerca de 3,2 mil famílias, de acordo com cálculo de organizações locais.
A ultima vez que o governo reuniu-se com os índios para debater sobre a usina o engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, acabou ferido por guerreiros do povo Kayapó.
Um dos pontos mais contestados pelos indígenas diz respeito ao impacto da construção da barragem sobre os peixes do Rio Xingu. O desequilíbrio do ciclo ecológico com a cheia permanente afetará a vida dos peixes, base alimentar para a subsistência de indígenas da região.
"Caso os senhores não consigam parar essa obra, nós, povos indígenas da Bacia do Xingu entraremos até os canteiros de obras desses empreendimentos e vamos acabar de nosso modo", disseram os delegados indígenas do Rio Xingu que participaram do encontro em Altamira.
A área inundada com a construção da barragem será de 440 km2 e as organizações sociais antecipam a necessidade de remanejamento de cerca de um total de 3,2 mil famílias.
As mudançasNo início, a filosofia aplicada pelos Villas Bôas visava proteger o índio do contato com a cultura dos grandes centros urbanos. Na época, por exemplo, não era permitido nem usar chinelos ou andar de bicicleta, para que nada mudasse no cotidiano tribal.
Co
m a saída de Orlando e Cláudio Villas Bôas da direção do Parque, em 1973, este pensamento começou a mudar. O administrador seguinte, Olímpio Serra, começou a contratação dos primeiros funcionários indígenas da Funai e em 1982 o Xingu teve seu primeiro diretor índio, o cacique Megaron, da tribo Kaiapó. Desde então, outros começaram a se preparar e assumir diversos cargos dentro do Parque. Atualmente, eles detêm a maioria dos postos administrativos, protegendo suas próprias fronteiras.
No vasto território onde hoje se concentram aproximadamente 5 mil índios, divididos em 16 etnias, se faz presente os principais troncos lingüísticos do país, como o aruak, karibe, jê e tupi.
Poderíamos estar falando de um verdadeiro exemplo de justiça social e defesa das culturas tradicionais, mas o processo de colonização iniciado na década de 1970, o plantio de soja, o gado, e principalmente as mudanças advindas do contato
com o “branco” nos impede de fazer essa afirmação.
Hoje os índios do Xingu recebem bolsa família, dinheiro de organizações não governamentais, mais dinheiro de grupos estrangeiros, cobram para permitir a entrada de pessoas de fora na reserva, cobram por fotos, navegam na Internet e assistem às novelas em televisão de LCD.
Não me sinto em condições de julgar esses oprimidos e legítimos brasileiros que assim como a maioria de nós aderiu a um estilo de vida baseado no capitalismo. Não tenho duvidas que temos muito a aprender com essas vitimas do sistema que um dia foram donos de todo o Brasil e após a colonização vieram perdendo seus costumes primeiramente obrigados a se catequizar.
Expulsos de suas terras originais, apesar de tantas mudanças ainda compartilham uma relação mais harmoniosa com a natureza do que nós. Mas confesso que fiquei um tanto frustrado quando um índio quis me cobrar mil reais por uma simples e rápida entrevista...
REPORTAGEM: DAVI PAIVA(Agradecimentos: Renê Uchôas, Domingos Bomediano, Paulo Roberto Grassmann, Ata e o Rancho Xingu, Piloteiros do Xingu e todos que contribuiram com esse humilde jornalista para que essa reportagem existisse.)